terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

ANÉMONA



A simbologia da flor da anémona (Anemone coronaria), muito valorizada na antiga Grécia, tem origem no mito associado ao amor intenso e exuberante, embora frágil e fugaz, nascido entre a deusa Afrodite e o belo Adónis.

O jovem (fruto da relação incestuosa entre Mirra e o seu pai Cíniras) estando um dia a caçar longe da proteção da sua amada Afrodite foi, violentamente, atacado por um javali (talvez enviado pelo ciumento Marte) que o feriu mortalmente numa virilha. Sentindo a morte do amado a deusa correu prontamente em seu auxílio, ferindo-se no pé com um espinho, cujo sangue tingiu uma rosa branca que, a partir daí, se tornou vermelha pelo sangue de Afrodite.

"The Awakening of Adonis - O Despertar de Adónis" -  John William Waterhouse (1849-1917)

A deusa chorou perdidamente por ser incapaz de reanimar o seu amado e de comover as parcas a evitar sua morte. Ajoelhou-se junto a ele e tocou na terra ensanguentada, exclamando que ela ou o mundo jamais o esqueceriam, pois do seu sangue iria sempre nascer uma flor primaveril embora, como ele, de vida breve e destinada a morrer.

O sangue de Adónis transformou-se na anémona, filha do vento (em grego, Άνεμοι — "Anemoi"), que logo ao florescer perde as pétalas com o seu sopro . Esta flor teria assim nascido do sangue do belo mancebo, abundando na Primavera pelas costas do Mediterrâneo.


Os "jardins de Adónis" tem origem num culto fúnebre feminino associado a Afrodite, celebrado anualmente na Primavera, em várias regiões sírias e do mundo antigo, onde as sementes da anémona são semeadas em vasos e regadas com água quente, estimulando o seu rápido crescimento embora a curta permanência.


Adaptado de:
Mitos e Lendas de todo o Mundo
Mitologia Clássica




segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

AÇAFRÃO





O açafrão (Crocus sativus) é uma planta que produz uma bela flor de cor anilada com longos estigmas vermelhos cujas diversas qualidades são valorizadas desde tempos imemoriais.

A sua origem está situada na larga zona das civilizações mais antigas do mediterrâneo oriental, estendendo-se desde o próximo oriente até à Índia. A utilização mais antiga comprovada por esta planta, manifesta-se como pigmento usado na coloração de pinturas rupestres, tendo estas propriedades corantes sido, desde há muito, largamente utilizadas na coloração de tecidos muitas vezes de uso cerimonial. Porém, as propriedades desta substância amarela proveniente dos longos filamentos da flor revelaram-se, também, de elevado valor terapêutico, afrodisíaco e gastronómico. Como tal, a reunião de todas estas qualidades associadas à extrema beleza floral conduziu ao valor simbólico que ela despertou desde o alvorecer das mais prestigiadas civilizações da antiguidade. A designação vulgar “açafrão” deriva do latim safranum que por sua vez deriva do árabe z’fram (amarelo), embora a origem da designação científica do género Crocus se refira a uma das histórias mitológicas gregas associada à sua simbologia.



Estudos botânicos consideram que o açafrão teve origem nos solos rochosos e pedregosos da ilha de Creta a partir de uma espécie selvagem que lhe deu origem, Crocus cartwrightianus, perdendo depois a capacidade de se reproduzir naturalmente, sendo apenas obtida por multiplicação vegetativa.
Desse passado minoico são encontradas algumas pinturas murais na ilha vulcânica de Thera (Santorini) com várias imagens decorativas de flores de açafrão sendo colhidas por jovens, fazendo referência ao seu cultivo e sagração no culto de Ariadne, deusa cretense da vegetação, como símbolo da renovação primaveril da natureza e da bem-aventurança celeste. Há, também, provas de que os hititas (2000 aC) celebravam uma festa da primavera utilizando o açafrão, como o comprova uma pequena laje encontrada em Hattusa, e cuja tradição ainda permanece hoje, na Turquia. 

Todas as culturas do ocidente até ao longínquo oriente, onde ela foi introduzida, citam a importância dada a esta planta, referenciando não só a sua utilização prática como, também, um valor transcendente, subtil e poético, tais como se podem entrever nestas palavras:


Se eu tivesse um palácio feito de pérolas, embutido com jóias, perfumado com almíscar, açafrão e sândalo, um puro prazer – ao ver isso, eu poderia perder-me e esquecer-Te, o Teu Nome não entraria na minha mente.

Sur Guru Granth Sahib

O açafrão era usado nos rituais de Elêusis onde os sacerdotes o utilizavam para preparar uma tintura chamada "crocin". A planta era, também, consagrada a deusas femininas, tais como a Ártemis (ou Artemisa) e Deméter, sendo usada como protectora do casamento e colocada na cama nupcial como auspício de um verdadeiro amor, daí a sua conotação às forças poderosas do amor, ponte intemporal entra a vida e a morte.


Pelas suas capacidades picantes, segundo a mitologia grega, Hermes usou o açafrão como afrodisíaco para despertar a energia e desejo sexual. É, também, uma flor particularmente útil para tratar problemas digestivos, associados aos signos de Câncer e Virgem, assim como a nervosos, a Gémeos e Peixes.


Na mitologia grega o valor simbólico do açafrão está presente em alguns mitos que se descrevem a seguir:



METAMORFOSE DE KROCUS

Um jovem amante e companheiro do deus Hermes foi morto acidentalmente por este último durante um jogo de lançamento de disco. A angústia do Deus pela culpa da sua morte fez com que o transformasse na planta do açafrão, cujos estigmas vermelhos representavam o seu sangue derramado.Fonte: Ovídio, Plínio.




CROCUS E SMILAX

Outra versão do mito relata a metamorfose do jovem Krocus em flor após a perseguição e jogo amoroso com a sua amada, a ninfa Smilax, nos bosques próximo de Atenas. A ninfa vai, contudo, perdendo o interesse por Krocus, facto que intensifica o seu ardor por ela. Neste desvario passional em que o amor de um mortal não pode ter continuidade, e está destinado a terminar, ele é, pela vontade dos deuses, transformado na flor de açafrão, cujas radiosas cores simbolizam a força do desejo pela bela ninfa Smilax. Deste mito advém a tradição greco-latina de colocar flores de açafrão sobre a sepultura dos amantes que morrem por amor.






BOUQUET DE PERSÉFONE

Neste mito a deusa Perséfone e uma ninfa estavam colhendo açafrão, violetas, íris, lírios e rosas num prado primaveril, quando a primeira foi raptada por Hades, deus do mundo inferior, e sujeita a ser sua esposa e viver com ele metade do ano.





SEDUÇÃO DE EUROPA


Zeus enamorado da princesa fenícia Europa espiou-a num prado verdejante, quando esta descuidada estava a colher flores. Nesse momento ele aproximou-se e, para não ser reconhecido, transformou-se num magnífico e dócil touro que assoprando uma flor de açafrão da sua boca a atraiu para perto de si permitindo o seu rapto.Fonte: Hesíodo
Segundo a mitologia grega e pelas suas características picantes esta planta está consagrada a Hermes que a usava para despertar a energia e desejo sexual. Porém, a planta também é associada a deusas femininas, tais como Artemisa e Deméter, sendo usada como protetora do casamento e por isso, segundo a tradição, colocada no leito nupcial como auspício de um verdadeiro amor. 
















O açafrão é por isso uma planta com um simbolismo duplo, manifeste na eterna dança dos opostos que sempre se reequilibram pelas forças da natureza, do amor e da sua perda, sempre ligada às forças que regem os ciclos intemporais entre a vida e a morte.

Fontes:

Symbolism of plants
Hinos Homéricos