Entre as múltiplas espécies do género Myrtus (mais de 100), certamente, nenhuma delas tem um significado
cultural como a murta comum, Myrtus
communis L., planta arbustiva verde de aroma agradável, nativa do
Mediterrâneo e Ásia Menor (atual Turquia) onde foi considerada um símbolo de força
e longevidade.
M. communis é a única espécie nativa da Europa e
única do género encontrada no Hemisfério Norte encontrando-se espalhada por
toda a região mediterrânica e do Médio Oriente, onde cresce selvagem sendo
também cultivada.
É um arbusto perene que cresce a uma altura de cerca de 1 a 5
m. As folhas dispostas de forma oposta são ovadas-lanceoladas, 2-5 cm de
comprimento, coriáceas, glabras, punctuate-glandular e inteiro e, quando
esmagadas, têm um delicado e aromático odor. As flores são brancas em forma de
estrela, possuem cinco pétalas, cinco sépalas e uma massa de estames em tufo, ocorrendo
de junho a setembro. No final do verão, produzem frutos em forma de bagas de um
preto azulado (ou raramente branco amarelado) amadurecendo em novembro. As sementes de M. communis não tem dormência, daí poder
ocorrer germinação logo após a dispersão aproveitando as chuvas de outono e inverno durante os
primeiros estágios cruciais de crescimento. Estas características podem ser
consideradas vantajosas para maximizar a o sucesso da sua reprodução e
sobrevivência nos climas mediterrâneos.
ETIMOLOGIA
Do ponto de vista etimológico a palavra “murta “apresenta-se
similar na maioria dos idiomas europeus, e alguns não europeus, tais como: myrte
(alemão), mirto (espanhol e italiano), myrte (francês), mirtia (grego moderno),
myrt (russo), mrdeni (arménio) e murt (turco). Todos esses nomes referem-se ao
myrtos do grego antigo [Μύρτος] ou myrsine [μυρσίνη] transmitido depois através
do myrtus latino.
O nome deriva de Myron grego [μύρον] que significa bálsamo,
crisma, pomada, podendo ser um empréstimo semítico relacionado ao hebraico para
dedignar mirra que é uma resina proveniente da seiva seca de várias árvores,
mas principalmente da espécie Commiphora
myrrha. Outras plantas perfumadas possuem nomes científicos semelhantes,
tais como Myristica (noz-moscada), Myrrhis ou Myrica.
SIMBOLOGIA
A murta apresenta-se como um arbusto típico do Mediterrâneo rico não só pelo seu valor simbólico e mitológico, revelado na frequência da sua presença em rituais e cerimônias da história antiga, como também planta importante no cotidiano das pessoas desta região de tempos imemoriais. No épico de Gilgamesh, conhecido como a história escrita mais antiga da Terra (mais de quatro milénios) encontra-se esta citação: "Ofereci incenso na frente do Monte-Zigurate. Sete vasos de culto coloquei… deitei juncos, cedro e murta. Os deuses sentiram o cheiro …
Aphrodite driving a chariot drawn by Erotes; attic red figure, c. 450-400 BC,
Museo Archeologico Etrusco, Florence, Italy
The younger Kharites Eudaimonia, seated holding a necklace, and Pandaisia, carrying a
myrtle; attic red figure, ca 450-400 BC, British Museum, Londo
Na mitologia antiga, a murta era consagrada a Afrodite -
deusa grega do amor, sexo e beleza - equivalente à Vénus romana ou à Ishtar
mesopotâmica pois, pelas suas elegantes flores brancas, folhas sempre verdes e
agradável perfume, era um símbolo de beleza e juventude. As informações na
literatura grega anteriores a Plutarco (historiador romano de origem grega, AD
46- 120) que associam a murta a Afrodite são, contudo, escassas. Porém, aparentemente,
existiram templos dedicados a Afrodite, onde a murta sagrada era cultivada.
Pausânias, viajante
grego e geógrafo do século II dC, relata a presença da rosa e da murta em
terras gregas e estabelece a relação da murta com Afrodite, Adónis e as Graças
(acompanhantes de Vénus) referindo, no culto destas, a presença de ramos de
murta no santuário de Elis (Grécia).
Segundo
Ovídio (poeta romano, 43 aC - AD 17), Vénus teria surgido do mar coberta de
murta, facto que explicaria a presença vulgar da planta junto à costa,
relatando, também, que o seu filho, Eneias, teria iluminado o templo de sua mãe
com a murta materna antes da realização dos jogos.
No
submundo ele relaciona ainda a murta com aqueles que morreram de amor e que nele
vagueiam desconsolados.
Aristófanes
refere a murta, para além da hera e da videira, como a terceira planta favorita
de Dionísio, deus do vinho, pois todo o adorador
dionisíaco usava uma grinalda de murta nos seus rituais. Este deus foi um
dos poucos que conseguiu trazer uma pessoa morta do submundo pois Hades,
normalmente, era relutante em libertar os mortos. Dionísio conseguiu trazer a
sua mãe, Sémele, embora o deus do submundo só lhe desse permissão para tal, se
ele lá deixasse algo tão importante que pudesse substituir Sémele. Assim, Dionísio
deu-lhe a planta da murta. Esta é uma das bases para a crença de que a murta
pertencia tanto a Dionísio quanto ao mundo dos mortos.
Há também uma relação entre a murta a Boa Deusa, uma
deidade romana muito antiga associada em exclusivo às mulheres, fertilidade,
cura e virgindade. As suas celebrações
festivas eram realizadas no início de maio e nem mesmo aos animais do sexo
masculino era permitida a presença nesta celebração.
Noutras
versões do mito a murta foi excluída dos rituais porque, citam que essa deusa, esposa
(ou filha) do deus Fauno, foi descoberta a beber vinho em segredo, tendo sido
espancada até a morte por seu marido (ou pai) com galhos de murta.
A
folha de murta quando observada em contraluz revela as glândulas que produzem o
seu óleo volátil e perfumado, parecendo que foi perfurada muitas vezes com uma
agulha. Um mito atribui esse facto à tragédia de Fedra quando, durante a sua
paixão impossível e ilícita por Hipólito, costumava descansar ociosamente
durante o dia sob a murta e perfurado as suas folhas com um gancho de cabelo.
VIDA QUOTIDIANA
VIDA QUOTIDIANA
Teofrasto (filósofo grego e botânico, c. 371- c. 288 aC) cita a murta em algumas ocasiões. Ele refere numa antiga recomendação que a oliveira e a murta necessitam de podas vigorosas para promover o seu crescimento e reprodução. A importância da poda para a frutificação é enfatizada. Ele também fala sobre a boa relação entre olivais e murtas que ao entrelaçarem as suas raízes, tornam o fruto da murta mais macio e doce enquanto a sombra da oliveira a protege do sol e do vento.
Os antigos persas também consideravam a murta como uma planta sagrada. Heródoto (historiador grego, c. 484 a 420 aC) na sua história narra a cerimónia de sacrifício persa em detalhe. Ele diz: "O sacrificador traz sua vítima para um local e depois invoca o nome do deus a quem ele pretende oferecer. É usual ter um turbante cercado com uma coroa de flores, vulgarmente com murta».
Heródoto menciona a murta associada a sacrifícios e ocasiões festivais, ele cita: “a murta estava espalhada nas estradas dos persas para celebrar a vitória sobre Atenas” …
Heródoto menciona a murta associada a sacrifícios e ocasiões festivais, ele cita: “a murta estava espalhada nas estradas dos persas para celebrar a vitória sobre Atenas” …
Em Atenas, as grinaldas perfumadas de murta poderiam ser usadas em sacrifícios, banquetes e casamentos, e as suas bagas comidas como sobremesa. A associação da murta com Afrodite estabelece, também, a relação do aroma atrativo da planta com o desejo sexual.
Grinaldas de folhas, geralmente, de louro, azeitona, murta, aparecem na cunhagem de moedas, às vezes como símbolos e outras envolvendo figuras como guirlandas nas suas cabeças como sinal de perpetuidade da existência. Daí as coroas de louro, oliveira e murta, etc., com as quais os vencedores eram honrados nos jogos gregos e triunfos romanos, serem considerados como emblemas da consagração à imortalidade e não apenas marcas transitórias e ocasionais de distinção.
Plínio (antigo filósofo e autor-História Natural AD 23-79) relata que um comandante romano foi coroado com o mirto de Venus Victrix (Vénus Vitoriosa) numa vitória em que ninguém foi morto.
Em
Atenas, os pilares que ficavam em frente às casas
estavam decorados com ramos de louro ou marta. A sua relação com o amor ou
festas era tema para canções, podendo contabilizar-se o seu uso em coroas dadas
a poetas, associada ao louro, hera ou carvalho.
Grinalda de murta grega, c.330 - 250 a.C
Na arte da ourivesaria os
ourives criavam belos objetos artísticos decorados com murta.
A grinalda de
murta de ouro que foi descoberta numa tumba real, na Macedónia, é de uma beleza
notável e data, aproximadamente de 340 aC.
RITOS FUNERÁRIOS
A murta também foi considerada uma árvore da morte, usada juntamente com
menta e o alecrim, para compensar o cheiro da decomposição durante as
celebrações fúnebres dos antigos gregos e romanos. A Electra de Eurípides menciona
a murta várias vezes relacionando-a com os ritos funerários.
TRADIÇÕES
A murta ainda é um
arbusto venerado por povos próximos embora de diferentes religiosidades.
Nas festas judaicas
comemora-se um ritual que remonta aos tempos bíblicos, onde são utilizados os Lulav
e Etrog, conhecidos como as” Quatro espécies". O Etrog é um limão e o Lulav
contém diferentes tipos de galhos de árvores: Palmeira, murta e salgueiro.
As escrituras
judaicas instruem os israelitas a tomar "o fruto de belas árvores"
dizendo «ramos de palmeiras, ramos de árvore grossa e salgueiros do ribeiro e
regozijem-se na presença de Deus por sete dias». A "árvore grossa" é
interpretada como sendo a murta, representando as espessas florestas espinhosas
que o os israelitas encontraram quando voltaram para Israel. Esses matagais
foram muito difíceis de penetrar, pois embora a murta não tenha espinhos ela
cresce em matas densas em montanhas de muitas regiões de Israel.
Na noite do sábado, os judeus acendem
velas e queimam incenso usando durante as bênçãos diferentes especiarias. A
murta foi chamada "A planta perfumada por excelência de Israel",
sendo muitas vezes preferida, quando disponível.
No cristianismo, a murta foi
dada como uma planta sagrada para A Virgem Maria, simbolizando a pureza e a
fertilidade. Na primitiva tradição cristã, durante o matrimónio o casal era
coroado pelo padre com coroas de murta que ele abençoava durante a cerimónia,
exaltando a pureza inicial da ligação cristã.
Na tradição árabe existem,
também, várias alusões a esta planta. Numa tradução de uma dessas compilações,
Tibb-ul-Nabbi (Medicina do Profeta) está referido: "Se alguém lhe oferecer
murta como presente, não recuse. É do céu".
Esta planta também é realizada
em alta estima por Ibn Abbas que diz: "Quando o Profeta Noé desceu da
Arca, a primeira coisa que ele plantou foi murta». E novamente do mesmo autor:
"Adão partiu de Paraíso com murta, que é a rainha de todos os perfumes
doces no mundo…». Ou ainda mencionada como planta medicinal: «O tratamento de uma
entorse envolve também um fortalecimento do local por um emplastro feito de folhas
de gergelim e murta»; ou, também, como xarope contra a tosse ou para eliminar a
diarreia, sendo importante para surtir efeito juntar as sementes de murta a
marmelo.
Durante muitos períodos da
história, toda a Anatólia serviu como zona geográfica de fusão para diferentes civilizações
e muitos dos atuais costumes tem as suas raízes nas crenças e religiões das
culturas iniciais.
Nas suas tradições há registos de que as gloriosas colinas e riachos e baías do mar Egeu eram adornada com murta. De acordo com referências, na Turquia os arbustos desta planta cresciam descontroladamente nas encostas rochosas e os seus frutos eram vendidos no mar Egeu em mercados de várias cidades do litoral turco.
Nas regiões costeiras da
Turquia a murta era usada com frequência em ritos funerários para perfumar a
água de lavagem do falecido. Em algumas aldeias o corpo é ainda envolvido em
galhos de murta que, também, cobrem o fundo da sepultura antes do enterro.
Nesses locais é comum dizer "estar abraçado à murta" para se fazer a
referência a quem está perto de morrer. Outra tradição é colocar sobre os
túmulos, nas alturas de visitas ou em feriados religiosos, galhos de murta.
Este ritual é ainda comum em algumas cidades do Egeu, ou outras do interior da
Anatólia, onde a murta ainda cresce naturalmente, sendo também observado que ela
é vulgarmente plantada em cemitérios muçulmanos ao norte de Israel. De acordo
com as crenças locais a murta compartilha e reduz os tormentos do falecido e
proclama uma bênção ao amado Profeta. O simbolismo desta planta pode ser
rastreado até aos antigos mitos da Anatólia que já foram arás citados.
Os seus rebentos e bagas foram
usados como especiarias desde tempos antigos na Anatólia. Uma água destilada
perfumada é preparada a partir de suas folhas e flores para aromatizar frutas e
sumos. As folhas e os frutos da murta são usados para colorir lã e fibras, na
tecelagem de tapetes, em várias áreas da Anatólia. A casca e a raiz são usadas
na curtição do couro. A murta é também plantada para criar arvores de jardim e preferida
para decoração em cerimónias tradicionais de casamento. Embora se saiba que
tanto as bagas como as folhas são usadas para macerar um licor aromático, nas
ilhas da Sardenha e da Córsega, o uso de bebidas alcoólicas não é praticado na
Anatólia.
MEDICINA
Há amplas referências da murta em antigos textos egípcios como remédio para distúrbios urinários, dor, azia, inchaço, rigidez dos membros, tosse e para eliminar mucosidades no tórax. Na medicina copta há referências à utilização do óleo essencial de murta.
Para uma série de doenças cutâneas, Soranos (um médico grego de Éfeso, 1º-2º Século) menciona a murta para evitar a gravidez, recomendando untar o colo do útero com uma pasta de óleo de murta com chumbo branco para bloquear a passagem de esperma ou ainda a sua utilização por via oral.
Galeno de Pérgamo (um médico romano e filósofo de origem grega, AD 129-200) transmite a informação sobre um pó (pó Flávios) para a disenteria que teria a seguinte composição: murta, rosas, bagas de zimbro, etc., tomadas em vinho diluído. Em alguns preparativos antigos o vinho de murta era mencionado como veículo na preparação de medicamentos.
O médico bizantino Acetóis de Amida (Turquia), a partir do século VI, fala de uma mistura de incenso, murta e açafrão e rosas como fórmula para uma pílula para "cuspir sangue".
Galeno, no seu livro De Alimentorum Facultatibus - prescreve a murta para curar queixas respiratórias, mordidas de aranhas venenosas e escorpiões, e muito mais, incluindo o suco das suas bagas cozidas misturadas com vinho para inflamações intestinais.
A murta foi, também, uma das plantas que Dioscórides recomendou para problemas menstruais.
Na medicina popular turca, as folhas, frutas e óleo volátil de Myrtus communis foram usados para vários propósitos: as folhas para tratar hipertensão, hemorroidas, resfriados comuns, problemas cardíacos e uretrais, diarreia, dor reumática, edema nas extremidades, diminuir a glicose no sangue, eliminar pedras nos rins, estimular o apetite, fortalecer o cabelo de cabelo, curar feridas e ação hemostática.
Ao longo da história, a combinação
da aparência atraente da flor de mirtilo, das suas bagas comestíveis, do seu cheiro
doce e das suas propriedades medicinais fizeram dela uma planta muito atrativa e
de elevado valor simbólico para quem vivesse nos locais onde foi encontrada.
Imrecionante não conhecia a história da Murta
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