O narciso das areias, Pancratium maritimum (Amaryllidaceae), ocorre no litoral do mar Mediterrâneo, crescendo fixo às areias através dos seus bolbos profundos.
Pancratium maritimum Narcissus
Está intimamente relacionado com as plantas do gén. Narcissus (fig.1) que aparecem em todo o hemisfério norte, compartilhando com estas a corola típica das flores. Uma diferença ocorre no Pancratium, cujos filamentos anexados à corola sobressaem da sua borda permitindo que as anteras se mantenham de pé (fig.2). Esta característica particular permite a identificação da planta em frescos antigos, apesar da estilização representada.
SIMBOLISMO
Em fevereiro na Europa, Norte de
África e Ásia, as flores do gén.
Narcissus são um sinal da chegada da primavera. Através da antiguidade, o
Narciso tem sido usado para simbolizar o caráter ambíguo do mês de fevereiro, contendo significados, dentro da mitologia grega, associados à vaidade e à morte.
O narciso das areias, Pancratium maritimum, é um género
relacionado, embora a sua época de floração seja mais tardia decorrendo de
junho até ao final do verão.
Vários poetas celebraram, nos
seus versos, o narciso (de forma notável William Wordsworth), tendo o espírito
de elevação dos seus versos refletido, mesmo nas sociedades de hoje, muitos dos
sentimentos associados a essa flor.
Nas civilizações do mar Egeu as
representações do narciso marítimo foram usadas em decorações dos edifícios. Em Akrotiri (Thera, Ilha vulcânica no
mar Egeu) em vestígios arqueológicos conhecidos por “Casa das Mulheres”
(Women’s House), encontram-se grandes plantas estilizadas pintadas nas paredes
(séc. 17aC) que foram interpretadas como sendo narcisos das areias. As plantas pintadas
nos frescos aparecem abrindo a corola em forma de sino, embora tenham sido
removidas as partes externas do perianto. As plantas representadas apresentam
uma altura impressionante de 140 cm de altura, embora o Pancratium selvagem tenha em média 30-40 cm (máximo 60 cm).
No contexto cerimonial da sala, os narcisos marinhos nos frescos de Akrotiri foram aparentemente destinados a dominar o espaço, preparando
uma cena de veneração. Nos frescos observa-se uma mulher dobrada, segurando um
avental ritual, numa cena que foi interpretada como sendo a investidura de uma
sacerdotisa ou a veneração de uma deusa.
Em Creta, pelos vestígios encontrados, há a certeza de as
sacerdotisas participarem, com os seus aventais de pele, nas cerimónias
sagradas. Por esse facto, é apoiada a ideia de que as sacerdotisas de Thera estavam,
da mesma forma, associadas aos rituais de morte ou ligação ao outro mundo.
No museu de Heraklion existe um sarcófago minoico de
argila, onde se observam pintados narcisos das areias, assim como numa lâmina
de bronze micénica, com a mesma planta, mas sem perianto, ao lado de um
leopardo caçando patos selvagens. Em ambos os casos, a planta está conectada
com a morte, particularmente com a morte violenta, daí a ideia dos mesmos
crescerem no submundo, ao longo do rio Styx e serem frequentemente colocados em
sepulturas.
Echo and Narcissus - John William Waterhouse (1903)
A mitologia grega atribuí, também, um valor simbólico à flor do narciso (gén. Narcissus) através da conhecida história de Narciso. Segundo este
mito o jovem e bonito Narcissus apaixonou-se, fervorosamente, pela sua própria
imagem refletida na água, rejeitando o amor de todas as ninfas em especial de
Eco, uma ninfa que muito o amava. Como castigo pela sua vaidade e egocentrismo,
Némesis transformou-o na flor
que dele recebeu o nome.
Outra lenda conta que por ordem de Zeus, Gaia provocou a
ocorrência de um perfume intenso através de flores de narciso que cresceram do solo,
atraindo Perséfone, filha de Zeus e Deméter, para longe das suas companheiras
e, assim, facilitar o seu rapto para o submundo.
Todas os narcisos encerram uma mensagem simbólica que
aponta para a incapacidade de fugir à morte e para a transformação da própria
vida. As flores do género Narcissus,
desabrochando antes da primavera, lembram a morte prematura e, o Pancratium maritimum, florindo até ao
final do verão, anuncia a chegada do Outono, quando a flora desaparece. O
narciso das areias foi uma planta consagrada à deusa da vegetação (Perséfone ou
Ariadne) que, em cada ano, tem de atravessar todas as fases da vida e da morte,
na qual se inclui o submundo.
Grandes Heures d'Anne de Bretagne
Na idade média a flor do narciso, com idêntica simbologia
a ela associada, continua a aparecer em iluminuras e retábulos em contextos
variados. A sua representação não está, porém,
restrita apenas às culturas cristãs ou europeias. Na China, por exemplo, é
dada como presente, no Ano Novo Chinês, como um sinal de vigor renovado.
FONTE
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