quarta-feira, 28 de junho de 2017

AÇUCENA



As açucenas (Gén. Lilium) representam um grupo de plantas com flores magníficas que aparecem no início do verão. Existe uma grande variedade destas plantas cultivadas, porém as espécies selvagens adquiriram um significado religioso muito especial que remonta a tradições muito antigas, sendo fascinante seguir as suas tradições culturais.
Entre várias espécies a açucena branca - Lilium candidum - ou açucena de Nossa Senhora – Madonna Lily (ou de Jerusalém) sempre foi a mais importante, tendo como habitat natural a área que corresponde à Palestina e Líbano, embora os fenícios ajudassem a sua expansão por todo o mediterrâneo oriental. No estado selvagem, em habitat próprio seco e rochoso, é hoje raramente encontrada, sendo embora bastante cultivada em jardins.
Uma das características mais evidentes da açucena é apresentar uma haste alta sem ramificação, folhas curtas, botões em posição vertical e flores que se mantém eretas com as pétalas ligeiramente pendentes, exalando uma agradável fragância quando desabrocham de maio a junho.

Flores de outras espécies como L. chalcedonicum que se encontram em antigas pinturas murais tem pétalas descaídas e são vermelhas brilhantes. Uma espécie europeia, L. bulbiferum é, também, frequente em pinturas medievais, apresentando flores de cor laranja forte embora eretas, tais como as de L. candidum.


SIMBOLISMO


O valor simbólico da açucena é muito antigo, estando presente em diversas culturas. Os antigos minoicos conferiam-lhe uma aura inspiradora e majestosa e nos impérios assírios e egípcios foram o emblema da soberania dos reis. No Cântico dos Cânticos de Salomão ela foi associada à juventude e inocência virginal das noivas e à flor hebraica de Salomão, a estrela de David do judaísmo.
Vila senhorial (Creta)                             Salão do Trono (Palácio Cnossos - Creta)
                                

Em Creta foram encontrados frescos mostrando plantas de L. candidum (1600 - 1500 aC) no que seria uma antiga vila senhorial, sendo possível interpretar que o propósito desta representação fosse assinalar que o senhorio dessa habitação tinha um estilo de vida nobre. Uma associação mais óbvia de açucenas com o poder está patente no salão do trono do Palácio de Cnossos, aproximadamente do mesmo período, onde nas paredes em redor do trono do sacerdote-rei, se observam grifos e flores estilizadas pintadas que poderão representar estas plantas.Também, na réplica da pintura mural “The Prince of the Lilies” se observam estas flores junto a um nobre ou rei – sacerdote, assim como na sua coroa e colar.

The Prince of the Lilies - Palácio Cnossos (Creta)


Akrotiri (Thera/Santorini) 

Um significado diferente para esta planta é expresso nos frescos escavados em Akrotiri (Thera/Santorini) em três paredes de um pequeno quarto onde se observa uma paisagem rochosa pintada com açucenas vermelhas e andorinhas.
Apesar da verticalidade das flores e das folhas curtas no fundo do caule, aspetos próprios do L. candidum (flor branca), verifica-se, neste caso, que a cor das flores é vermelha. Talvez as características da açucena branca e vermelha fossem combinadas de propósito nesta sala considerada uma antecâmara ritual da noiva, estando associada a cerimónias de casamento como representação simbólica da pureza na sua transição para a idade adulta. A açucena na sua forma branca e vermelha poderia, também, estar ligada ao culto de adoração de Ariadne, suposta deusa da vegetação de Thera, marcando em sinal de bênção o início do crescimento, prosperidade e fertilidade das colheitas.

Em épocas posteriores, no mundo grego e romano, a açucena foi considerado como o símbolo do amor sublime, da procriação e da glória, tendo da mesma forma participado em rituais nupciais.


Posteriormente, no período bizantino, surgem imagens da flor já associado a temas cristãos, nomeadamente na igreja de Santo Apolinário (perto de Ravenna, século VI dC) num grande mosaico aparece na zona mais elevada a face de Cristo e abaixo da cruz, o primeiro bispo de Ravena, Santo Apolinário cercado por uma paisagem paradisíaca de verdes prados, árvores, açucenas e rosas para significar que a glorificação de Cristo irradia na própria natureza.

Durante a Idade Média as açucenas vermelhas parecem ter sido um símbolo da Virgem Maria, embora as brancas se tenham tornado na flor particular da Anunciação, simbolizando a pureza de alma e castidade da futura mãe de Jesus.

Carlos Magno (812) ao proclamar éditos para os palácios imperiais, ordenou o cultivo de uma lista de 73 plantas herbáceas, utilitárias e medicinais, tendo mencionando a açucena em primeiro lugar. E, no seu poema Hortulus, o abade do mosteiro de Reichenau, Strabo (809-849 dC) elogiou as suas flores como um remédio contra mordeduras de cobra, acrescentando que o mesmo indicava a pureza da fé. 

Uma imagem bíblica refere que no terceiro dia de criação, após a separação da terra e do mar, árvores e plantas foram criadas, mencionando as açucenas e as rosas.

Expulsão de Adão e Eva do paraíso pelo Arcanjo Miguel - Giovanni di Paolo (1440)

Desde o final da Idade Média até ao Renascimento existem vários exemplos de pinturas onde açucenas brancas aparecem associadas a Maria, santos ou temas bíblicos, como está patente na obra de Giovanni di Paolo - Expulsão de Adão e Eva do paraíso pelo Arcanjo Miguel, estando este caracterizado pela presença de açucenas, rosas, cravos e romãs ou, ainda, a Anunciação da Virgem Maria pelo Arcanjo Gabriel de Leonardo da Vinci (1472 – 1475).


Anunciação da Virgem Maria pelo Arcanjo Gabriel - Leonardo da Vinci 

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